A Rua de São Bernardo

Subi a rua a pé olhando, o coração apertado, prédio a prédio, contando os números de porta. No 102 tinha morado, num quarto andar, Irene Lisboa. Temi que o prédio tivesse sido devorado pelo tempo, expulso por um daqueles favos a que hoje se chamam casas de habitação.
Esperava-me o pior. O edifício estava lá e ostensiva via-se na parede frontal uma placa assinalando ali a presença passada de alguém. Aproximei-me para ver que era, enfim, a homenagem dos moradores, carinhosos, à lembrança amiga de ali ter morado...o ministro Baltazar Rebelo de Sousa.
Quanto a ter ali habitado a autora de «Solidão», nem uma palavra de memória.
Lembrei-me, ao regressar a casa, neste domingo em que um vento cruel resolveu tresmalhar a cidade de tristeza angustiosa, das palavras com que ela abre o seu livro «Começa uma vida», que assinou como João Falco e que é, afinal, o relato dos primórdios da sua existência: «Vá-se embora daqui, esta casa não é sua!».
De facto não era, nem a casa nem a vida que assim a tratou.