A voz compungida

Hoje não há lugar para histórias simplesmente tristes. Têm de ser trágicas, torrenciais de agonia. A banalização dos sentimentos exige mais. A violência já não prende o leitor que seja tele-espectador. Nem a comoção.
Por isso um livro como Começa uma Vida tem destino condenado na voragem comercial das sensações. 
Mesmo o facto de ter sido escrito com nome de homem - João Falco - a mascarar ser o autor uma mulher deixou de ter importância. Talvez como sinal dos tempos se lhe dedique algures um apontamento porque foi impresso em 1940 para a Seara Nova. Quem ler não reparará certamente que a narrativa surge no feminino em contraste com o sexo do suposto autor..
Poder-se-à dizer que não há uma condição feminina, abstracta, geral, ditada só pela anatomia ou explicada pela sociologia. Há as circunstâncias concretas em que se é mulher. Eis o resumo de uma vida. 
Mas houve algo que me fez ir ao encontro do livro e voltar a este lugar: «o amor das realidades simples domina-me, subjuga-me e talvez me enfraqueça», escreveu quase a findar.
Eis a densidade da sua verdade. Num mundo vocal, de feminilidades assertivas, Irene Lisboa corre o risco de ter sido a voz compungida. Activa, porém, militante, arriscando e pagando o duro preço pela intervenção na vida cívica. Não foi, porém, arauto de si. 
Tinha o brio de não ser vaidosa. Era-se educado para se ser assim.