Irene Lisboa e a "Vértice"

Criei este blog em homenagem a uma escrita cuja leitura caiu em desuso. Creio que já disse aqui: por ser uma escrita triste e haver quem evite esse veneno doce que é a nostalgia da alma. E também porque é uma escrita de um mundo que já só deixa vestígios, o de uma Lisboa e um país cujos recantos hoje são outros. 
Muitos, aquartelados sob a bandeia do neo-realismo não lhe perdoaram - ela seareira, ela do MUD [e haverá quem hoje saiba o que isso significa tudo isso?] o ter escrito sobre a vida doméstica, o pequeno mundo interior, com modéstia e contenção. Supunha-se que o critério teria de passar, não pelo lamento mas pela raiva, não pelo luta individual, mas pela revolta colectiva.
Irene Lisboa pagou o custo de tanto do que editou e vendeu os livros a quem lhos quisesse adquirir. Poucos. Ficou sempre no domínio do aquém. O presente é apenas a continuação.
Dei já conta disto tudo aqui. E de como começou a escrever com pseudónimos masculinos por não haver então quem achasse credível uma mulher escritora. E como, isso sim, é triste.
Hoje, dia em que o frio abrandou, minorado pelo chuvisco, lembrei-me de há quanto tempo não vinha aqui. E fui à procura de algo mais. Poderia ir ali à estante, em busca dos livros, os da primeira edição, e muitos ainda recolhi, como quem acolhe desvalidos da sorte, ou aqueles que a bondade de Francisco Espadinha, fundador da Presença, publicou, em obra [quase] completa, sob a direcção empenhada de Paula Morão. Livros que são a minha agonia quanto a haver tempo para os poder ler.
E ei-la aqui. Curiosamente a ler a Vértice, a revista, fundada em Maio de 1942, que, publicada em Coimbra, era a praça forte precisamente daquele neo-realismo.
E, passeando um pouco mais por este espaço sideral, uma carta, escrita um mês antes, a Manuel Mendes, o escritor e escultor que faleceu em 1969, também seaeiro, homem do MUD


Há quem não note que o mundo tem a paleta cromática dos cinzentos, mesmo nos anos de chumbo. São arquivistas, reduzindo o complexo à simplificação de fichas, estas por gavetas, as gavetas por armários. Tal como nos cemitérios. Estão errados, coveiros do que sobrevive, burocratas da morgue. As suas exaltações são no dia da cerimónia fúnebre, depois já nem no dia de finados.