Irene Lisboa: uma conferência sobre o ensino infantil


A fotografia ilustra uma conferência de Irene Lisboa no Salão do jornal O Século, sobre o tema "Os métodos e a finalidade do ensino infantil", proferida no dia 11 de Março de 1933. O original está nos arquivos do jornal, confiados à guarda da Torre do Tombo. Encontrei-a em uma página do FB dedicada à sua pessoa e obra. Com a devida e gentil permissão aqui a deixo.

Eugénio sobre Irene

Leio a entrevista que Eugénio Lisboa concedeu ao JL desta semana. E pergunta-lhe Luís Ricardo Duarte: «Que autor gostaria de ver mais valorizado hoje em dia?». Eugénio Lisboa responde: «Irene Lisboa, por exemplo, uma enorme escritora, imensamente esquecida. Na verdade, ela nunca teve a nível público a aceitação que teve da crítica. É uma pena porque a sua obra é muito apelativa e sedutora, quase eletrizante em muitos aspetos. Lembro-me da única vez que estive com ela, precisamente com o José Régio, no Chiado, em Lisboa. Acabava de lança rum livro e comentava: "Régio, deste não vendi um único exemplar".
Leio e sinto-me reconfortado comigo ante este esforço de a ter trazido aqui desde 2007 e remorsos por o fazer tão esparsamente. E dou comigo a pensar quantos poderão, naquele permanentemente malicioso modo de ver o mundo, pensar que Eugénio lembra Irene e saúda a valia da sua obra porque o comum apelido evidenciará uma ligação de família, donde um nepotismo cultural; e quanto isso é sintoma de uma grave doença social, a do descrédito de motivos nobres e de decência no viver, evidência de uma mentalidade doentia que só se alimenta da nitreira da suspeita porque nela vive e com ela prospera.
Em boa hora, pois, esta lembrança e este apelo. Irene Lisboa viu a sua obra publicada em versão quase integral pela Editorial Presença, com prefácio e anotação de Paula Morão. Muito pouco teve eco junto do público leitor. Pena que na colectânea que a Imprensa Nacional  editou em Março deste ano com os breves textos literários de Eugénio Lisboa, sob o título Uma Conversa Silenciosa, não haja menção àquela magnífica escritora, pois a completar o apelo agora lançado haveria a detalhada explicação do seu porquê. Não que os possíveis leitores se entusiasmassem com isso, pois a leitura hoje, a que subsiste, segue critérios de sem razão, sim porque, a reforçar os que lêem, se acharia a visão aguda de quem, pela sua notável cultura e sentido humano, ali melhor encontraria o que ao ler folheando passa despercebido.

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A fotografia pertence ao arquivo da revista Visão. As citações faço-as submisso à grafia que se tornou oficial, de coração apertado.

Título qualquer serve

Regressei ontem aqui. Ter insónias tem vantagens: não conciliamos o sono, mas reconciliamo-nos com o mundo que deixámos na sonolência que é o quotidiano, ilusão de vida desperta.
Fui buscá-lo à estante. Li-o na edição da Presença, aquela que amorosamente Francisco Espadinha editou, bem como à obra [quase] completa, hoje, diria, totalmente esquecida. 
Recordo aqui a capa do original que ainda não consegui encontrar, eu que procuro reunir todos os seus livros, os primeiros ainda com pseudónimo masculino, tantos e tantos em edição de autor.
Irene Lisboa já não o viu publicado pela Portugália, trazida à luz no ano de 1958, ano em que, no mês de Novembro, faleceria. 
Iniciei a leitura e, ei-lo, o pequeno e profundo mundo vindo de uma janela de um comum existir, mas olhado com uma tal delicadeza de sentimentos e recato de sensibilidade que só a revolta contra a solidão consegue turbar. 
Livro tristonho, como tanta da sua escrita, livro de cansaço, livro, como a sua personagem inaugural, de quem «já não sabia ter desgostos». Livro sobre os pobres que são bandeira de uma causa, que «as pessoas vão-se acostumando à pobreza. Então não vão? Vão-lhe caindo a pouco e pouco nas garras. Cada dia se vão sentindo mais pobres, mais pobres...e vão adquirindo novos hábitos.».
Há neste momento de escrever doçura e, no modo de, pela Literatura, ver a vida, infinito amor por consumir, «inspiração de uma mulher que se vê com uma janela escancarada à frente e com o coração oprimido».
Li dois dos seus contos, diria, duas das suas narrativas. Guardei perto para retomar. Sem a complexidade labiríntica de Clarice Lispector, há, logo no texto que inaugura a obra, O Limão, algo que lembra a autora de A Mulher que matou os peixes. E por falar nela, veio à mente o que escrevi [aqui] e que tanto de aplica ao que uma noite de insónia me fez viver: «Não importa quanto tempo levamos a ler um livro nem se interrompemos a leitura, como quem passeia e se senta em cima de uma pedra ou decide adormecer num momento da viagem. Não importa se não lemos todos os livros que há para ler, nem se somos ignorantes em relação aos "incontornáveis" como dizem alguns ditadores do gosto e tiranos da erudição obrigatória.». Não importa, de facto.

Irene Lisboa e a "Vértice"

Criei este blog em homenagem a uma escrita cuja leitura caiu em desuso. Creio que já disse aqui: por ser uma escrita triste e haver quem evite esse veneno doce que é a nostalgia da alma. E também porque é uma escrita de um mundo que já só deixa vestígios, o de uma Lisboa e um país cujos recantos hoje são outros. 
Muitos, aquartelados sob a bandeia do neo-realismo não lhe perdoaram - ela seareira, ela do MUD [e haverá quem hoje saiba o que isso significa tudo isso?] o ter escrito sobre a vida doméstica, o pequeno mundo interior, com modéstia e contenção. Supunha-se que o critério teria de passar, não pelo lamento mas pela raiva, não pelo luta individual, mas pela revolta colectiva.
Irene Lisboa pagou o custo de tanto do que editou e vendeu os livros a quem lhos quisesse adquirir. Poucos. Ficou sempre no domínio do aquém. O presente é apenas a continuação.
Dei já conta disto tudo aqui. E de como começou a escrever com pseudónimos masculinos por não haver então quem achasse credível uma mulher escritora. E como, isso sim, é triste.
Hoje, dia em que o frio abrandou, minorado pelo chuvisco, lembrei-me de há quanto tempo não vinha aqui. E fui à procura de algo mais. Poderia ir ali à estante, em busca dos livros, os da primeira edição, e muitos ainda recolhi, como quem acolhe desvalidos da sorte, ou aqueles que a bondade de Francisco Espadinha, fundador da Presença, publicou, em obra [quase] completa, sob a direcção empenhada de Paula Morão. Livros que são a minha agonia quanto a haver tempo para os poder ler.
E ei-la aqui. Curiosamente a ler a Vértice, a revista, fundada em Maio de 1942, que, publicada em Coimbra, era a praça forte precisamente daquele neo-realismo.
E, passeando um pouco mais por este espaço sideral, uma carta, escrita um mês antes, a Manuel Mendes, o escritor e escultor que faleceu em 1969, também seaeiro, homem do MUD


Há quem não note que o mundo tem a paleta cromática dos cinzentos, mesmo nos anos de chumbo. São arquivistas, reduzindo o complexo à simplificação de fichas, estas por gavetas, as gavetas por armários. Tal como nos cemitérios. Estão errados, coveiros do que sobrevive, burocratas da morgue. As suas exaltações são no dia da cerimónia fúnebre, depois já nem no dia de finados.

A voz compungida

Hoje não há lugar para histórias simplesmente tristes. Têm de ser trágicas, torrenciais de agonia. A banalização dos sentimentos exige mais. A violência já não prende o leitor que seja tele-espectador. Nem a comoção.
Por isso um livro como Começa uma Vida tem destino condenado na voragem comercial das sensações. 
Mesmo o facto de ter sido escrito com nome de homem - João Falco - a mascarar ser o autor uma mulher deixou de ter importância. Talvez como sinal dos tempos se lhe dedique algures um apontamento porque foi impresso em 1940 para a Seara Nova. Quem ler não reparará certamente que a narrativa surge no feminino em contraste com o sexo do suposto autor..
Poder-se-à dizer que não há uma condição feminina, abstracta, geral, ditada só pela anatomia ou explicada pela sociologia. Há as circunstâncias concretas em que se é mulher. Eis o resumo de uma vida. 
Mas houve algo que me fez ir ao encontro do livro e voltar a este lugar: «o amor das realidades simples domina-me, subjuga-me e talvez me enfraqueça», escreveu quase a findar.
Eis a densidade da sua verdade. Num mundo vocal, de feminilidades assertivas, Irene Lisboa corre o risco de ter sido a voz compungida. Activa, porém, militante, arriscando e pagando o duro preço pela intervenção na vida cívica. Não foi, porém, arauto de si. 
Tinha o brio de não ser vaidosa. Era-se educado para se ser assim.

Anigos da Tapada

Há um grupo de amigos da Tapada das Necessidades, esse lugar folhoso, recolhido, quase ignorado pela Lisboa contemporânea, a que se aborrece pelos centros comerciais, a que se deprime numa interminável sonolência. Foi ali que encontrei a fotografia, de Irene Lisboa [a terceira a contar da esquerda] e a dúvida quanto a saber se não teria sido tirada precisamente naquele local.

O elevador do Lavra

«Fazia sol e havia tranquilidade». E Irene Lisboa escrevia sobre o elevador do Lavra e suas gentes, gente vinda do mais recôndito como as Furnas do Monsanto, gente como a Nina, cujos requebros são convites e o Doutor Freitas, mais o guarda-freio e a varina e o ardina. E um gato «o diabo de um gato» logo «se havia de meter debaixo do enorme elevador». 
E assim começa uma história desta cidade, naquele elevador, onde «subir e descer neste veículo em cada dia do ano é cumprir uma pequena e ordinária rota, a pino, que sem exagero se pode considerar tão edificante como dar largas voltas pelo mundo». 
E são historias e histórias porque «os bairros felizmente têm um carácter mais humano que arquitectónico». 
E mora agora ali o meu Hugo e sabe e sente e pinta com tudo isso nos olhos, tal como ela os retratou em Literatura e corria o tempo da guerra, mais as árvores que se vêem ao longe, em São Pedro de Alcântara e o Torel e mais adiante a Morgue mais o Doutor Sousa Martins e a imensa capoeira à solta que dá vida ao jardim e o Instituto Alemão onde o meu Afonso, às sextas, martela declinações de uma língua que é uma forma de ter encontrado a matemática nas palavras.
Irene Lisboa escreveu isto tudo como "João Falco". Porque na altura bicho mulher não vingava nas letras.

Outono havias de vir

Dediquei-lhe este blog e depois fui esquecendo que existia. Comprei, um a um, todos os seus livros. Tenho um deles aqui comigo, "Outono Havias de Vir", assinado ainda com nome masculino, o de João Falco, editado pela Seara Nova, impresso em dois de Maio de 1937. Ofereceu-o em 1946 a Manuel Guimarães. Deve ter terminado tudo em alfarrabista. Excepto as primeiras folhas está por abrir. Ao carinho de ter sido oferecido não correspondeu a amabilidade sequer de ter sido lido. Sucede amiúde assim, o desconsolo do gesto mesmo oferecido.

A aldeia desterrada

Foi como se soubesse que estava ali e dirigiu-se-me esta tarde a mão para a estante onde estão os livros do Vergílio Ferreira e no primeiro volume do Espaço do Invisível, obra de ensaios, onde vem o texto polémico que escreveu para apresentar o Rumor Branco do Almeida Faria, ei-lo o «em memória de Irene Lisboa». Como se um acaso fosse determinação dos meus passos.
E li-o num instante, porque é breve, como se assim com ela me tivesse também encontrado numa aldeia na serra e no quarto andar na Rua de São Bernardo e notado o «seu porte, que tanto me impressionou, essa dignidade exterior, essa harmonia de ser, essa quase aparência de altivez que é apenas o respeito ou o orgulho de nós próprios e que traduzimos ainda pela palavra "nobreza"».
Humilde e sério - e nele mesmo a arrogância foi sempre uma forma de se inferiorizar, oferecendo-se à voragem dos impantes - o autor do Nítido Nulo surpreendeu nela «a sua comunhão com os interesses do povo, bem mais quente comunhão, bem mais fecunda, do que a minha, tão pobre e tão fiscalizada pelo que eu desejava "fidelidade" a uma ideologia», ela escritora de uma cidade mas em que «a Lisboa que habita os seus livros é a que relembra a aldeia, é uma aldeia desterrada, a que preserva o eco do que é belo na verdade primitiva».
Li para relembrar que, contra os preconceitos classistas de tantos literatos «toda a vida de gente simples não pode ser simplista» e para aprender que «uma mão cheia de nada só o é de coisa nenhuma quando o nada está em nós...».

O Baile

Amiga, a T deu-me o livro. Tinha acabado de o encontrar num alfarrabista à Feira da Ladra. «Olha, tem aqui um conto da tua apaixonada». Queria dizer daquela por quem me apaixonei. Chamava-se O Baile. «Horizontais era o nome que ele dava às mulheres da sua roda, bonitas mas tontinhas». Ele, o Souza, da repartição onde trabalhava Olinda. Irene Lisboa escreveu. É a história de um devaneio num baile em que ninguém dançou, enlevo de vulgaridade e de monotonia numa vida dactilografada
Organizado por Diaulas Riedel para a Cultrix brasileira em 1958 chama-se «Maravilhas do Conto Feminino»

João Falco



Será a caligrafia de Irene Lisboa, a mesma que usava pseudónimos masculinos para fazer triunfar a sua escrita feminina num mundo em que só os homens pareciam triunfar. No caso assina João Falco. Encontrei-o aqui.

Contarelos



A capa é inocente. «Irene escreveu e Ilda ilustrou», «para a gente nova», acrescenta a folha de guarda. O texto é seu, as ilustrações da sua colega e amiga, professora também, Ilda Moreira. Sabe-se mais sobre ela enquanto artista, aqui, porque há pessoas dedicadas e generosas.
Permito-me citar: «Entre os livros com ilustrações suas contam-se: - 13 Contarelos, escrito por Irene Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1926. - Vida escolar de Crianças de Cinco Anos e Meio a Sete, (na Revista Escolar) Abril de 1926. - Modernas tendências da educação, escrito por Irene Lisboa, Edições Cosmos, 1942. - A Vidinha da Lita, escrito por Irene Lisboa, 1ª ed. Coimbra: Atlântida, 1971. - Lisboa [ Visual gráfico : [vista da rua de São Bernardo, ca 1942], Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 1993. - Ilustração para uma versão não publicada do conto O entrudo de Carnaval, escrito por Irene Lisboa, Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 1993».
O livro é de um formato amigável, em oitavo, papel muito pobre que hoje mal resiste ao tempo. Impresso na tipografia da Escola Normal Primária, edição das autoras, distribuído pela Livraria Sá da Costa, a mesma que hoje vende, com a tristeza do que está moribundo, os restos que ainda sobram.

A minha Adelina

Há quem critique a escrita de Irene Lisboa pela sua domesticidade, a conversa sobre a mulher da fruta na esquina na Rua de São Bernardo, o senhor Manuel que «secou, que é pior que envelhecer», a «rapariga marreca mas engraçada», e tantos outros do elevador do Lavra, o Parreira, que é «dos que escorregaram para a mó debaixo», a Nina, sabedora de homens «a fingir-se de pudibunda e de devassa, a dar só a perninha como ela dizia, trazia-os todos à trela» e sempre presente a sua Adelina, que substituira a outra «que me não sabia fazer nada, nem lavar azulejos de cozinha e me dava caldo verde deslavado a todas as refeições».
Lembrei-me disso este fim de tarde tarde, desses críticos enfastiados, ausentes dos lugares «onde a vida varie», fruto da clausura insolente e da alienação noctívaga. Talvez por ter almoçado sardinhas no senhor Manuel e porque comecei faz pouco o meu jantar a comer rodelas de ananás que a minha Adelina, que se chama outro nome vindo dos tempos medievais, me deixou ficar, dizendo com aquele modo bonito de dizer: «sabe o senhor José António que comer ananás faz as pessoas felizes? Tem um produto que eu não lembro o nome». «Não faz mal», respondi eu então, enquanto revia provas de um livro, «desde que me faça feliz».

O burro velho

O comboio partia às 11:47 de Campanhã e eu ainda tinha de apanhar a ligação em São Bento. Vinha do Tribunal, de um julgamento que não houve, ofegante a subir a calçada.
Senti-a, por ali, tentadora, e ei-la de súbito: a livraria das livrarias, a Chaminé da Mota.
Contava os minutos, arriscava perder o comboio, mas o desejo era mais forte.
O que queria? Nem sabia. Tinha querido entrar e estava ali. «Procura algo?», perguntou-me, amável, o dono. Nem sei como surgiu, mas ripostei: «Irene Lisboa!».
Estavam lá em baixo, as mulheres escritoras, todas juntas, em gineceu literário.
Enervado com a pressa, tartamudeando o «já tenho quase tudo dela», acrescentei, sem ser necessário um «deram-me agora mais uns quantos», e com o empregado em expectativa, deitei a mão a um «Queres Ouvir? Eu Conto», editado pela Portugália do Agostinho Fernandes.
Tenho-o agora aqui comigo, impossível lê-lo esta noite, porque vai ser mais uma madrugada de trabalho obrigatório.
«Tinham deitado um burro à margem, um burro velho. Que carga de ossos tão triste». Começa assim o primeiro conto. Sou eu!

Dias que se uniformizam


A expensas suas, em 1943, Irene Lisboa editou um livro a que chamou «Apontamentos». Consegui encontrar num alfarrabista ainda um exemplar, a capa em papel alaranjado, muito fininho para sair mais barato. Para tentar que a sua obra tivesse divulgação, esforço inglório aliás, a autora editava uns folhetos acompanhados de um cartão. «Apontamentos (...) são romance concentrados», dizia, explicando que «o seu preço são 15$00, incluindo embalagem, porte e cobrança (O mínimo que o actual custo de papel e mão-de-obra permitem».
O exemplar que agora leio, deste livro que começa «eu tenho uma mentalidade ingénua! Estou sempre disposta a ver as coisas sentimentalmente», esse exemplar dizia, para poupar o outro à usura das minhas mãos, é um dos que a Editorial Presença publicou em 1998, há vinte anos. «Um escritor não pode viver, publicar, subsistir sem a atenção e a simpatia dos seus leitores. A expansão da sua obra depende do interesse que lhe dispensa quem a lê. Querendo V. Ex.ª ter a bondade de espalhar as poucas circulares que aqui junto, contribuirá gentilmente para a difusão de "Apontamentos"», escrevia ela, a, como se doridamenete a oferecer-se para que a quisessem. Eis o que faço neste blog, por amor a esta mulher. Queiram ter pois, meus leitores, a gentileza de espalhar.
Encerrado que estou há uma semana, tal como ela «ando com o cansaço de ontem e de anteontem, de uma série de dias que se uniformizam».

Outono havias de vir

Fui a Arruda dos Vinhos assistir a uma comovida homenagem a Irene Lisboa: Paula Morão que se doutorou sobre a autora de «Voltar atrás para quê?» e Violante Magalhães, que tem estudado a sua obra pedagógica, um documentário da RTP com Vergílio Ferreira, Alexandre O'Neill, tantos outros, amigos, fiéis, remanescentes. Cheguei a casa com a ânsia de ler o opúsculo que a edilidade a propósito editou. Li-o, num ápice, tal como escutara, uma a uma todas as palavras, esta tarde.
Citando a professora Paula Morão, eis-me como se ante o «discorrer irregular e líquidode um pensar, que se organiza, como é típico da poesia, pelo ritmo ondeante da composição«.

Belas palavras estas, escritas para recordar os belos sentimentos vividos, num bom dia de domingo.

Comemorações da Biblioteca Irene Lisboa

A Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos leva a cabo, já amanhã, domingo, as Comemorações do XVIII Aniversário da Biblioteca Municipal Irene Lisboa, Auditório Municipal - Centro Cultural do Morgado.
Eis o programa:

15.00h - Leitura de textos de Irene Lisboa, pela cantora lírica Ana Ester Neves,
acompanhados à flauta por Vasco Gouveia
16.00h - Coffe Break
16.30h - Colóquio sobre Irene Lisboa com a Professora Doutora Paula Morão e
a Dra. Violante Magalhães
17.30h - Entrega dos prémios dos X Jogos Florais Irene Lisboa
18.00h - Visita à exposição sobre Irene Lisboa

Museu Irene Lisboa: um colóquio em 23 de Setembro

Há em Arruda dos Vinhos um museu dedicado a Irene Lisboa. No dia 23 de Setembro leva a cabo um colóquio e exposição sobre literatura de Irene Lisboa com a presença de: Dr.ª Violante F. Magalhães, e Professora Doutora Paula Mourão.

Uma casa ao abandono


Vejo na imprensa que a casa onde nasceu Irene Lisboa está ao abandono:

«Mais de 100 anos depois de Irene Lisboa ter nascido na Quinta da Murzinheira, no concelho de Arruda dos Vinhos, o espaço, propriedade dos descendentes dos irmãos da poetisa, está agora em total abandono. Pertencendo há 100 anos à família Vieira Lisboa, a casa onde a escritora nasceu na Quinta da Murzinheira «está em ruínas desde há sete anos quando se tentou comprar», relatou, à Agência Lusa, o presidente da Junta de Freguesia de Arranhó, Joaquim Luís, referindo que o imóvel permanece «sem portas e janelas» e com as «telhas a cair».
Localizada em A-dos-Arcos, freguesia de Arranhó, a quinta, com uma extensão de 36 hectares, estende-se por terrenos agrícolas onde continua a predominar a vinha, e mantém ainda uma adega «completamente degradada», que noutros tempos era usada como apoio aos trabalhos do campo, também retratados por Lisboa nas suas obras.
Rodeada de pinheiros e eucaliptos, a casa possui um pátio onde cresce «muita vegetação selvagem», em consequência do estado de abandono a que a casa está votada.
Museu na antiga junta de freguesia
Desde há vários anos que a Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos tem vindo a estabelecer contactos com a família paterna de Irene Lisboa para comprar o espaço e «fazer ali inicialmente a casa-museu Irene Lisboa», mas «a família nunca se mostrou muito receptiva», revelou a vereadora da cultura, Gertrudes Cunha.
Todas as tentativas foram goradas e a autarquia inaugurou, no final de Junho, o Museu Irene Lisboa, em instalações antigas da Junta de Freguesia de Arranhó, reunindo pela primeira vez todo o acervo documental da vida e obra da poetisa. Mas continua a ser «um objectivo adquirir a quinta».
«O irmão de Irene Lisboa morreu há dois anos e estamos a negociar com os vários herdeiros», adiantou a autarca, explicando que a quinta está a ser alvo de partilha entre os descendentes, o que torna difícil a venda do imóvel.
O moroso processo de divisão dos bens foi confirmada por familiares da escritora, que se recusaram, no entanto, a prestar declarações.
A Quinta da Murzinheira confina com a Quinta do Monfalim, já no concelho de Sobral de Monte Agraço, também propriedade da família e cujo estado de degradação é igualmente visível.

Arrebatamentos


«No convento onde fui internada aos seis anos, as coisas passavam-se de um outro modo. Lá não havia passeios nem liberdades, tudo era triste. Tanto assim que as férias me davam arrebatamentos. Foi para entrar no convento que me baptizaram. Sem filiação e com o sobrenome de ... Céu. Porque fui eu do Céu? Nunca o soube». Eis, contada no livro «Começa uma vida» a infância de Irene do Céu Vieira Lisboa. A obra é ilustrada com desenhos de Maria Keil do Amaral. Fui encontrar este, uma menina pela mão de seu pai. Ser órfão é muitas vezes ser-se feliz.

A Rua de São Bernardo

Subi a rua a pé olhando, o coração apertado, prédio a prédio, contando os números de porta. No 102 tinha morado, num quarto andar, Irene Lisboa. Temi que o prédio tivesse sido devorado pelo tempo, expulso por um daqueles favos a que hoje se chamam casas de habitação.
Esperava-me o pior. O edifício estava lá e ostensiva via-se na parede frontal uma placa assinalando ali a presença passada de alguém. Aproximei-me para ver que era, enfim, a homenagem dos moradores, carinhosos, à lembrança amiga de ali ter morado...o ministro Baltazar Rebelo de Sousa.
Quanto a ter ali habitado a autora de «Solidão», nem uma palavra de memória.
Lembrei-me, ao regressar a casa, neste domingo em que um vento cruel resolveu tresmalhar a cidade de tristeza angustiosa, das palavras com que ela abre o seu livro «Começa uma vida», que assinou como João Falco e que é, afinal, o relato dos primórdios da sua existência: «Vá-se embora daqui, esta casa não é sua!».
De facto não era, nem a casa nem a vida que assim a tratou.

Mulheres escritoras

Sobre Irene Lisboa escreveu Maria Ondina Braga, outra mulher escritora a quem dedico um blog, esta frase triste: «Há menos de duas décadas, todavia, esta cidade que ela tanto celebrou, este povo de quem foi um dos mais finos e fiéis cronistas, viram-na morrer com a mesma indiferença com que a tinham visto viver». A autora de «Angústia em Pequim» sabia o que era o amargo da solidão, a ânsia de ser-se amado.

O livro chama-se «Mulheres Escritoras», foi editado em 1980. O meu exemplar, comprado numa modesta livraria de obras em segunda mão, foi oferecido no Natal de 1981 pela tia Maria Antonieta à Guida «com um abraço apertado». Dói que tudo termine assim, entre o adelo e o esquecimento.

O comum existir

A cada uma das paixões um blog, onde escrevo o que bem poderiam ser cartas de amor. Amor literário, mas amor em qualquer caso, aquela devoção de leitor apaixonado.
De há muito que fui reunindo, um a um, os livros da Irene Lisboa. Alguns já em alfarrabista, em mau estado, daqueles que se não encontram.
Hoje, ao ler «Esta Cidade», um livro que ela escreveu em 1942, decidi-me a reservar-lhe este espaço.
Irene do Céu Vieira Lisboa nasceu em 1892, faleceu em 1958. Usou o tempo de vida, a trabalhar como professora e a escrever sob o seu nome, como Manuel Soares, João Falco e Maria Moira uma obra hoje quase esquecida.

A sua obra essencial é esta:

* Treze contarelos (publicada em 1926).

* Um Dia e Outro Dia... _ Diário de Uma Mulher (poesia) (sob pseudónimo João Falco) (publicada em 1936).

* Outono Havia de Vir (poesia) (sob pseudónimo João Falco) (publicada em 1937).

* Solidão: Notas do Punho de Uma Mulher (poesia) (sob pseudónimo João Falco) (publicada em 1939).

* Fôlhas Volantes (poesia) (sob pseudónimo João Falco) (publicada em 1940)

* Esta Cidade! (contos, Irene Lisboa [João Falco], (publicada em 1942).

* Apontamentos (publicada em 1943).

* Uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma (contos) (publicada em 1955).

* Voltar Atrás para Quê? (novela) (publicada em 1956).

*O Pouco e o Muito. (1956)

* Título Qualquer Serve (novela) (publicada em 1958).

* Queres ouvir? Eu Conto _ Histórias para Maiores e mais Pequeninos (publicada em 1958).

* Crónicas da Serra (publicada em 1958).

* Solidão II (prosa) (publicada em 1966).

* Versos Amargos (publicada em 1991).

É uma literatura do comum existir, uma escrita de uma extraordinária existência.