A minha Adelina

Há quem critique a escrita de Irene Lisboa pela sua domesticidade, a conversa sobre a mulher da fruta na esquina na Rua de São Bernardo, o senhor Manuel que «secou, que é pior que envelhecer», a «rapariga marreca mas engraçada», e tantos outros do elevador do Lavra, o Parreira, que é «dos que escorregaram para a mó debaixo», a Nina, sabedora de homens «a fingir-se de pudibunda e de devassa, a dar só a perninha como ela dizia, trazia-os todos à trela» e sempre presente a sua Adelina, que substituira a outra «que me não sabia fazer nada, nem lavar azulejos de cozinha e me dava caldo verde deslavado a todas as refeições».
Lembrei-me disso este fim de tarde tarde, desses críticos enfastiados, ausentes dos lugares «onde a vida varie», fruto da clausura insolente e da alienação noctívaga. Talvez por ter almoçado sardinhas no senhor Manuel e porque comecei faz pouco o meu jantar a comer rodelas de ananás que a minha Adelina, que se chama outro nome vindo dos tempos medievais, me deixou ficar, dizendo com aquele modo bonito de dizer: «sabe o senhor José António que comer ananás faz as pessoas felizes? Tem um produto que eu não lembro o nome». «Não faz mal», respondi eu então, enquanto revia provas de um livro, «desde que me faça feliz».